quarta-feira, 30 de maio de 2012

Via Regia no Valor Economico


Shows e festivais formam nicho turístico no Brasil 

Por Renata D'Elia | Para o Valor, de São Paulo

Marcelo Justo/Folhapress / Marcelo Justo/Folhapress 

Show de Paul McCartney no estádio do Morumbi (SP), em 2010, reuniu cerca de 64 mil pessoas; músico fez duas apresentações neste ano no Recife, onde 45% do público era formado por turistas, segundo Secretaria de Turismo local. Planejar as férias pensando em música. Encarar estradas e aeroportos para ver uma banda tocar. Com a entrada do Brasil na rota mundial de shows e festivais, o nicho do turismo musical vai ganhando corpo e importância estratégica para produtoras e entidades do setor. Estatísticas apontam que os turistas chegam a somar mais da metade do público de grandes eventos musicais, ainda concentrados no Sudeste e no Sul do país. Os números e territórios atendidos devem se expandir com a consolidação do mercado de shows nos próximos anos.

De acordo com a Secretaria de Turismo de Recife, 45% do público das duas apresentações de Paul McCartney, em abril, cruzou divisas estaduais para ver o beatle, gastando ao todo R$ 21 milhões na cidade. Exatamente o mesmo percentual de turistas do Rock in Rio 2011, que injetaram cerca de R$ 233 milhões na economia local segundo estimativa da RioTur. A organização do festival Lollapalooza, realizado em São Paulo no mês passado, também identificou que 60% dos pagantes veio do interior e outros Estados. Já em Porto Alegre, a ocupação hoteleira subiu aproximadamente 40% no período dos shows de Ringo Starr, em novembro, e Roger Waters, em março.

A Europa contabiliza cerca de 50 festivais de peso em seu calendário anual de eventos; no Brasil eles são bem menos que a metade. No Reino Unido, o consumo dos turistas musicais rende mais de 1,4 bilhão de libras por ano segundo estudo da organização UK Music. Quase 8 milhões de pessoas viajam motivadas a ver shows, algo entre 41% e 48% do público. Somente no Festival Glastonbury, realizado desde 1970 num vilarejo bucólico em Sommerset, são mais de 100 milhões de libras a cada edição. Dos 180 mil presentes, praticamente todos são visitantes e a maioria acampa no local. A pesquisa também aponta que o consumo do turista musical no país é 25% maior que o dos viajantes regulares.

No Brasil, a robustez do nicho depende de melhorias na infraestrutura. Estradas e aeroportos deficiente, saturação hoteleira, acessibilidade ruim e poucos locais preparados para shows prejudicam a experiência dos frequentadores. Boa parte dos festivais estrangeiros ocorre fora dos grandes centros - mas, por aqui, ainda é difícil. Após enfrentar problemas, o festival SWU migrou da cidade paulista de Itu para Paulínia no ano passado, e ainda não definiu a sede de sua terceira edição. "Os custos de produção sobem 50% em relação a São Paulo, que concentra mão de obra, equipamentos de som, geradores de energia. Implantamos toda a estrutura de alimentação e energia no local do evento em Itu, por exemplo", diz o diretor artístico Théo Van Der Loo. O impacto do SWU para Paulínia foi de R$ 30 milhões.


Marcelo Justo/Folhapress / Marcelo Justo/Folhapress 

Público em frente ao estádio do Morumbi, antes do show de Paul McCartney, em 2010; cidade de São Paulo sofre com disputa por datas em locais compatíveis
Pioneiro dos grandes shows no país e responsável por levar Paul McCartney a praças mais novas no negócio, como Recife e Florianópolis, Luiz Oscar Niemeyer, da PlanMusic, aposta no potencial do Nordeste. Segundo ele, as dificuldades locais lembram os anos 1980, com o primeiro Rock in Rio e o extinto Hollywood Rock. "Tínhamos que importar equipamento e técnicos de som. Agora levamos toda a estrutura de São Paulo para outros Estados".

João Paulo Gomes, diretor de marketing da Secretaria de Turismo de Recife, acredita que a entrega da Arena Pernambuco e a ampliação da rede hoteleira para a Copa de 2014 vão colaborar para consolidar o setor. Dados da ABIH (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis) apontam que a ocupação média atual do Recife empata com a do Rio de Janeiro em 80%. "A maioria dos visitantes vem de João Pessoa e Maceió. As estradas à beira-mar são convidativas. A tendência é que as pessoas pernoitem mais e isso compensa para nós", diz Gomes. Apesar do percentual de 29% de turistas nos espetáculos de Amy Winehouse e Iron Maiden, em 2011, ele afirma que atrações nacionais como Lenine, Chico Buarque e o festival Abril Pro Rock atraem um bom número de visitantes.

Formar um calendário fixo é outro desafio. Sede da maioria das atrações, São Paulo sofre com a disputa por datas em locais compatíveis. O festival Sónar, que aconteceu nos dias 11 e 12, tem contrato de três anos com o complexo Anhembi - já reservado para outro evento em maio de 2013. Segundo Duda Magalhães, diretor da produtora DreamFactory, o evento pode ser transferido para setembro ou outubro. Com ocupação hoteleira de 70% em dias úteis e 50% aos fins de semana, a cidade agora quer convencer os realizadores a valorizarem períodos de maior vacância.

"É fundamental oferecer a cidade como destino de cultura. Mas o terceiro show do U2, no ano passado, aconteceu numa quarta-feira. Não havia voos nem leitos nos hotéis. Fins de semana e feriados são mais tranquilos até pelo trânsito", afirma Luciane Leite, diretora de turismo e entretenimento da SPTuris. Agendado para 4 de dezembro (uma terça-feira), o show de Madonna no estádio do Morumbi aproveitará a desaceleração do turismo de negócios e a consequente disponibilidade de leitos.
Destino preferido do turista musical, a capital paulista é também a melhor cidade para a operação, revela Sylvio Ferraz, diretor-executivo da TamViagens. A operadora oferece pacotes para shows desde 2007, com a apresentação do The Police no estádio do Maracanã. Parceira do Rock in Rio, Lollapalooza e Creamfields (Florianópolis), tem direito a lotes de 3% a 10% dos ingressos. "Não temos estatísticas de procura, mas aumentou demais. É 2% da nossa receita e deve crescer em números absolutos", afirma. A companhia já se planeja para seguir a mão inversa e levar brasileiros ao Lollapalooza de Chicago em 2013.
Ingressos e hotéis mais baratos agregados ao maior apelo das viagens ao exterior configuram Buenos Aires e Santiago como negócios compensatórios. 

Aos poucos, o país também forma demanda para eventos musicais na Europa e EUA. "Tudo que a gente propõe, lota. Este público é muito informado sobre o que acontece lá fora. Procura cada vez mais um serviço especializado", diz Adriana Pacheco, proprietária da agência Via Régia, que há três anos explora o segmento - hoje 40% dos destinos. A empresa negocia com produtoras internacionais e oferece pacotes com ingressos para os shows de artistas como Lady Gaga até na Oceania. Festivais como o Coachella, na Califórnia, e o show de retorno do Black Sabbath no mês de julho, em Londres, estão entre os mais procurados do ano até agora.


© 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.


Leia mais em:
http://www.valor.com.br/cultura/2682072/shows-e-festivais-formam-nicho-turistico-no-brasil#ixzz1wMiFpUaA